Às 10:15 h da manhã do dia 11 de dezembro de 1826, faleceu no Paço de São Cristóvão a imperatriz Dona Maria Leopoldina.
Achava-se ausente Dom Pedro I que estava no Sul, que foi pessoalmente a Guerra da Cisplatina, dirigir as operações.
Durante os dias em que a Imperatriz passou doente, o povo não cessava de dar provas do mais sincero interesse pelo seu restabelecimento. Nas vizinhanças do palácio da Boa Vista, sucediam-se diversos grupos de homens e senhoras ávidos de notícias. Os boletins, publicados duas vezes por dia pelos médicos do Paço, eram lidos com sofreguidão. Houve por vezes esperanças de seu restabelecimento.
Durante os dias em que esteve doente, a população do Rio de Janeiro assistiu consternada e triste ao espetáculo nunca visto. Ao badalar incessante dos sinos de todas as igrejas, viam-se longos préstitos caminhando ao clarão de tocha e círios, e ao som plangente dos cânticos da liturgia católica. Eram as procissões de preces. Santos eram tirados de seus altares e iam em visita de umas para outras igrejas. Nestes dias de ansiedade, imagens que nunca foram vistas em préstitos religiosos, apareciam pela primeira vez. Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora do Carmo da Ordem Terceira, Nossa Senhora do Bom Sucesso da Misericórdia, São José, São Francisco de Paula e tantos outros recebiam do povo súplicas em pleno ar livre.
Em 27 de novembro o Barão de Mareschal¹ firmou um novo despacho a Viena no qual informava que “há três semanas Sua Majestade se encontra em um estado quase constante de sofrimentos […] não oferece, porém, nenhum perigo”. Segundo um novo relatório médico do barão de Inhomirim de 30 de novembro, o estado da imperatriz apresentava “novidades muito graves […] excitação cerebral e espasmos violentos, ansiedade, pulso fraco”.
Na noite de 1º para 2 de dezembro, “Sua Majestade se livrou de um feto de sexo masculino”. Na noite de 2 para 3 de dezembro, padeceu um novo espasmo, muito violento, segundo o boletim. No dia 4, pela manhã, de acordo com um novo despacho de Mareschal, “Sua Majestade se confessou e recebeu o Santo Sacramento com a tranquilidade de espírito e a piedade que distinguem tão eminentemente sua augusta família”.
Na noite de 4 para 5 de dezembro, Leopoldina sofreu nada menos que “treze evacuações biliosas”. Segundo a citada carta de Mareschal a Niepperg, a “febre biliosa” teria sido “a causa, e não a consequência do aborto”. Essa febre degenerou no dia 6 em uma “febre nervosa”.
Segundo a Crônica geral, as criadas que conseguiam passar pelo filtro estabelecido antes de chegar à cabeceira da imperatriz “só entravam ali quando levavam os filhos para ver a mãe, de manhã e à tarde”. Na manhã de “8 ou 9”, segundo um novo informe de Mareschal, depois de uma febre de doze horas, Leopoldina se despediu de sua prole. De acordo com uma versão, que se apoia em um documento cuja autenticidade não é aceita por todos os historiadores, a imperatriz ditou depois uma carta destinada a sua irmã Maria Luísa. De acordo com essa carta, Domitila não teria sido a única responsável pelo estado em que Leopoldina se encontrava. Embora se expressasse de forma um tanto sibilina, essa responsabilidade parecia recair também em “meu adorado Pedro [que] ultimamente acabou de me dar provas de seu total esquecimento a meu respeito, maltratando-me na presença daquela mesma que é causa de todas as minhas desgraças”. Sendo verdadeira essa carta, seria preciso especificar também o que a imperatriz entendia por “maus tratos”. Nesse suposto documento (do qual só existe cópia), a imperatriz dizia que “no estado a que me reduzi [vejo-me] obrigada a me servir de intérprete, a marquesa de Aguiar, de que bem conheces o zelo e o amor verdadeiro que tem por mim”, e pedia a sua irmã “não vingança, mas piedade e socorro e fraternal afeto a meus filhos inocentes […] que vão ficar órfãos em poder de si mesmos ou das pessoas que foram os autores de minha desgraça.”
Independentemente desse documento ser verdadeiro ou não, e das responsabilidades sobre a iminente morte de Leopoldina que dele derivariam, o certo é que em 10 de dezembro ela recebeu a extrema-unção pelas mãos do bispo do Rio, “apesar de já estar muito perturbada, e não consentia que ele se afastasse dela um só instante”. E ao amanhecer do dia seguinte restavam-lhe pouquíssimas horas de vida.
Em uma carta enviada a Maria Graham, o barão de Mareschal escreveria que a doença da imperatriz havia sido “curta e dolorosa. Não a perdi de vista durante todo o seu decorrer. Ela perdeu a esperança desde o início; tendo em conta sua idade, sua constituição e a fatal complicação da gravidez, fez-se o possível para salvá-la”. E, em um despacho que redigiria, diria que a imperatriz havia “terminado seus sofrimentos, sem esforço […] suas feições de modo algum haviam se alterado”. No final, como escreveria Mareschal no despacho que anunciaria o falecimento, dona Leopoldina “parecia ter adormecido pacificamente, na posição mais natural.”
Morta a imperatriz, havia no ambiente do Rio de Janeiro um ar de tristeza e melancolia. Surgiam aqui e ali boatos sinistros. Dizia-se que a imperatriz havia sido envenenada. Uns esperavam com devoção os funerais e as exéquias que deviam ser suntuosas. Os apreciadores da Oratória Sacra preparavam-se para ouvir o cônego Januário, frei Sampaio e Mont’Alverne. O Senado da Câmara ordenara luto rigoroso, três meses pesado e três aliviado. Ficaram suspensos os espetáculos.
As costureiras não tinham mãos a medir. Os fabricantes de cera tiravam o ventre da miséria; muitos enriqueceram. Durante três dias consecutivos à morte da Imperatriz, foram ditas em todas as igrejas e capelas missas pagas à razão de três patacas, pela mordomia da Casa Imperial. Todos, pois, nesta metade do citado mês de Dezembro concentraram a atenção na infausta morte da princesa, falecida na flor da idade e deixando cinco órfãos privados das carícias maternas.
Que a morte do Dona Maria Leopoldina foi considerada calamidade pública, provam os jornais da época. Os escritores que se ocuparam desta triste ocorrência são unânimes em por em evidência a espontânea consternação do povo e o respeito e simpatia, que a todas as classes sociais merecem os despojos da imperatriz no longo trajeto entre o Paço da Boa Vista até à igreja do Convento da Ajuda onde ela foi sepultada (este já demolido para dar lugar a Cinelândia).
Durante o dia 11, como era da prática, salvaram de dez em dez minutos os navios de guerra e as fortalezas. Os sinos de todos os templos da cidade não cessaram de dobrar a finados. Vestido de grande gala foi o cadáver reposto no leito em que exalara o último suspiro, sobre uma riquíssima colcha da China, cor de pérola, e encostado em duas almofadas de seda verde e ouro.
No dia 12, ao meio dia, teve lugar o beija-mão. Cumpriram este doloroso dever Dom Pedro, futuro imperador, e suas irmãs. Com vivas cores descreve o Diário as lágrimas e suspiros de Dona Maria da Glória, ante tão lancinante catástrofe.
No dia 13, às 10 horas da noite, foi o corpo metido em um caixão de cedro, forrado de lhama branca e por fora de veludo preto com galão de ouro.Este caixão foi posto dentro de outro de chumbo e ambos em um terceiro forrado de seda branca e coberto de veludo com galões de ouro fino, tendo na parte superior uma cruz branca bordada a ouro. Dali foi o corpo levado para a sala do dossel e colocado sobre riquíssima peça, ladeada por vinte e dois tocheiros de prata. Alonga-se o Diário na descrição dos ornatos da câmara ardente, nas alcatifas de seda e ouro, no altar e no sólio destinado ao bispo.
Ao amanhecer do dia 14, começou o clero secular e regular a celebrar missa em sete altares armados na varanda do Paço.
Às 10 horas da manhã, entrou o bispo Dom José Caetano da Silva Coutinho, que havia administrado à imperatriz os últimos sacramentos. Começou o ofício de finados. Terminadas as matinas, o diocesano acompanhado de todo o Cabido celebrou missa de pontifical. Tiveram inicio as absolvições. Terminaram à uma hora da tarde.
Das três horas da tarde até às 7, concorreram ao Paço as sete freguesias da cidade, as três ordens religiosas e as colegiadas da Misericórdia e São Pedro.
Terminadas as cerimônias das encomendações, deu-se princípio ao desfile do fúnebre préstito.
Pegaram no caixão até à porta do Palácio oito grandes do império, cujos nomes o Diário menciona. Às oito e meia punha-se em movimento a fúnebre procissão.
Seria longo enumerar os nomes dos personagens, que segundo suas graduações tomaram, conforme a etiqueta, os competentes lugares. Ao grande coche, puxado por oito machos cobertos de gualdrapas pretas, seguia-se o coche de Estado, e atrás deste a Imperial Guarda de Honra. Precediam estes dois veículos, dois outros coches: um levava a coroa, e outro conduzia o cura da Capela Imperial.
Dividiu-se a tropa em quatro brigadas de infantaria, uma de cavalaria e outra de artilharia.
A primeira de infantaria era comandada pelo brigadeiro Lázaro José Gonçalves, a segunda pelo brigadeiro João da Costa Brito Sanches, a terceira pelo coronel Francisco das Chagas Catete, a quarta pelo coronel Luiz de l’Hosti. Da brigada de cavalaria era comandante o coronel João Agostinho Barbosa, e da de artilharia, o coronel Francisco de Paula Vasconcellos. Quanto à disposição da tropa, foi ela dividida de modo a serem dadas as salvas de 21 tiros, e as descargas, desde São Cristóvão ao Passeio Público.
O imponente préstito seguiu do Paço da Boa Vista pela Rua de São Cristóvão, Mata Porcos, Catumbi, ruas do Conde, Lavradio, Mata-Cavalos (Riachuelo), das Mangueiras e do Passeio Público até a igreja do Convento da Ajuda.
Em todos esses lugares era imensa a multidão do povo.
Às 11 horas da noite chegou o séquito à porta do templo d’Ajuda. Esperava no adro a Irmandade da Misericórdia. Estava a igreja armada com a maior suntuosidade. Notavam-se três pousos: o primeiro tinha um degrau e seis tocheiros, o segundo dois degraus e dez tocheiros e o terceiro, três degraus e doze tocheiros. Na capela-mor estava preparado o espaldar e dossel para o bispo e quadratura para o Cabido. Retirado do carro o féretro pelos Grandes do Império, foi aquele levado pelos irmãos da Misericórdia até o 1º pouso, onde entoavam cânticos os sacerdotes da Colegiada da Santa Casa; pelo peso do caixão não pôde ser ele levado como de praxe aos dois outros pousos. Junto, pois, ao primeiro ultimaram-se as cerimônias do ritual.
Findas as cerimônias religiosas, o Marquês da Palma descobriu o caixão, dando o pano à Misericórdia. Em seguida, foi o féretro conduzido para o outro pouso junto à grade do coro eram, então, lavrados dois termos da entrega do cadáver, assignados pelos Ministros, Mordomo-mor, Grandes do Império, Corpo Diplomático e pela abadessa do Convento d’Ajuda.
Colocado o cadáver da imperatriz no sarcófago de jacarandá, que servira até 1821 para guardar os restos mortais da rainha Dona Maria Primeira, a 4ª brigada deu mais descargas, alternando com as salvas do parque de artilharia de posição. A estas se seguiram as salvas das fortalezas.
Era mais de meia noite, quando findaram todas essas cerimônias. “Mas, diz o Diário Fluminense, o que não ousaremos jamais descrever é o sentimento profundo, que se desenhava nos rostos de todos, as sinceras lágrimas tributadas ao merecimento, quando finda a dependência e quando a lisonja servil não abre a porta ao interesse. Este é o prêmio que resta na terra, à virtude, enquanto na eternidade goza tranquila de paz inalterável e de uma glória perenal”.
Dom Pedro I regressou do Sul, e em 15 de Janeiro de 1827, chegou ao Rio de Janeiro.
Nota: 1 – O Barão de Mareschal era agente diplomático da Áustria no Rio de Janeiro.
Fontes: CASSOTTI, Marsilio. A Biografia Íntima de Leopoldina, Ed. Planeta e Jornal o Diário Fluminense de 1826.