Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1817.
Uma austríaca nos trópicos.
Finalmente, após muita espera, D. Leopoldina embarcou para o Brasil em 13 de agosto. No começo de setembro, passaria pela Ilha da Madeira, onde por dois dias visitaria igrejas e quintas.
Em 5 de novembro de 1817, o navio que a transportava chegou à baia de Guanabara. Em meio às salvas de tiros de canhão proporcionadas pelas fortalezas e navios da baía, os Bragança chegaram, no início da noite, para dar as boas-vindas à princesa a bordo. O rei apresentou a arquiduquesa ao filho, e D. Pedro teria entregue à esposa uma caixa de ouro repleta de diamantes lapidados. Diante do espanto de D. Leopoldina, D. João teria dito: “Vossa alteza vem para o país das pedras preciosas.” Segundo o relato da condessa de Künburg, acompanhante da arquiduquesa e testemunha ocular do primeiro encontro entre ela e o esposo, “ele [D. Pedro] estava sentado em frente da nossa princesa, os olhos baixos, levantando-os furtivamente sobre ela de tempo em tempo, e ela fazia o mesmo.”
No dia seguinte, quando do desembarque, a nova princesa foi recebida em apoteose pela corte e pela cidade do Rio de Janeiro. Haviam sido construídos para a ocasião diversos monumentos, entre os quais o da rua Direita, com frente para o Arsenal da Marinha. Tratava-se de uma espécie de arco do triunfo grandioso, por onde o desembarque foi realizado. A obra, encomendada pela câmara do comércio, foi construída pelo arquiteto Grandjean de Montigny e decorado pelo pintor Debret, ambos da missão artística francesa. Ali, podiam-se admirar estátuas que representavam o Rio de Janeiro e o Danúbio. Os baixos-relevos no teto do arco traziam o Velho e o Novo Mundo unidos pelo símbolo do comércio. Além das iniciais do casal, lia-se: “À Feliz União o Comércio.” Outros arcos foram erguidos ao longo do percurso do cais até a Capela Imperial. Em alguns deles, era possível ler, em medalhões, as virtudes atribuídas à princesa: bondade, amabilidade, doçura, sensibilidade, beneficência, constância, espírito, talento, ciência, encantos, graça e modéstia. Diversas bandas tocavam pelo caminho do cortejo. De um dos arcos, crianças pendentes jogavam flores naturais sobre o coche aberto em que iam D. João e D. Carlota, de um lado, e D. Pedro e D. Leopoldina, do outro. A princesa estava ricamente vestida de seda branca, com bordados de prata e ouro, ostentando também algumas das joias de diamantes com que fora presenteada. De sua cabeça pendia um fino véu de seda branca, que não impedia de ver seu rosto.
Ao chegarem à Capela Real, D. Pedro desceu primeiro do coche e apressou-se em dar o braço a D. Leopoldina, ajudando-a a descer do veículo. Ao entrarem na igreja, acompanhados da corte e de diversos bispos, a música composta e regida pelo maestro Marcos Portugal irrompeu. Tendo a Família Real ocupado seu lugar e terminada a música, D. Miguel pegou D. Pedro pela mão; D. Carlota Joaquina fez o mesmo com D. Leopoldina. Em seguida, conduziram o casal para diante do bispo, onde se ajoelhou e recebeu as bênçãos nupciais. Após o ritual, foi entoado pelo coro um Te Deum Laudamus, ao fim do qual todas as fortalezas e navios da baía deram salvas de canhões.
A Família Real retirou-se então para o Paço da Cidade, em frente à Capela, de onde apareceram no balcão para assistir a uma parada militar e saudar a multidão que os ovacionava.
Às 11 horas da noite, D. Pedro e D. Leopoldina chegaram à Quinta da Boa Vista com d. João e toda a família. O rei fez questão de levar a nora para ver seu novo quarto, onde mandara colocar um retrato de seu pai, Francisco I; em seguida, deu-lhe um livro por ele encomendado na Áustria e que continha o retrato de toda a família que d. Leopoldina deixou para trás, o que a levou às lágrimas. Para irritação da dama de companhia da jovem, e para espanto da própria princesa, tanto ela quanto o marido, seguindo a tradição da corte lusitana, foram despidos pelo rei, pela rainha e pelos demais príncipes, que só saíram do quarto após o novo casal, envergonhado, encontrar-se embaixo dos lençóis. Não sabemos o quão satisfatória foi, para D. Pedro, a primeira noite do casal, mas temos conhecimento da reação de D. Leopoldina por intermédio das cartas que enviou ao pai e à irmã Maria Luiza:
“São Cristóvão, 8 de novembro de 1817 Querido papai! […] Todos são anjos de bondade, especialmente meu querido Pedro, que além de tudo é muito culto. Embora esteja casada com ele há apenas dois dias, ele merece todo o meu respeito e atenção, pois o seu comportamento, sob todos os aspectos, é admirável. […] Além disso o meu mui amado esposo não me deixa dormir, até que lhe disse sinceramente que estava abatida.”
“São Cristóvão, 8 de novembro de 1817 Amada Luísa! […] Faz dois dias que eu estou junto de meu esposo, que não é apenas lindo, mas também bom e compreensivo […]. São Cristóvão, 12 de novembro de 1817 Amado papai! […] Meu esposo me incumbe de lhe pedir que o faça comandante de um regimento hussardo; esperando que o senhor não lhe negue tal pedido, cuja realização fá-lo-ia muito feliz, está lhe enviando suas medidas. Beijo-lhe as mãos inúmeras vezes, pedindo perdão pela letra ruim, mas meu infantil esposo está empurrando a minha mão […].
É interessante a observação que D. Leopoldina tece ao pai, a respeito da educação de D. Pedro, na carta de 15 de dezembro de 1817:
“Não tenho palavras para descrever minha felicidade, pois meu esposo tem bom coração e muitos talentos e boa vontade em se instruir, pois não é sua culpa se algumas pessoas acham que deveria ser diferente; isso é porque não o conhecem bem, pois, quanto mais se conhece ele, tanto mais parece melhor, por isso peço ao senhor que não acredite no que contam sobre ele, mas apenas no que lhe escrevo.”
Fontes:
CASSOTTI, Marsilio. A Biografia Íntima de Leopoldina. Ed. Planeta.
REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina – a história não contada. Ed. Leya.